domingo, 17 de março de 2013

EMPRESA COM DÍVIDA TRIBUTÁRIA EM R$ 270 MILHÕES – PARCELAMENTO – SUPENSÃO DA EXECUÇÃO – DISSOLUÇÃO IRREGULAR – REDIRECIONAMENTO DA DÍVIDA PARA O PATRIMÔNIO DOS SÓCIOS.

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Inicialmente, é válido lembrar de alguns esclarecimentos para melhor compreensão do texto.

A Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN), é o órgão que cuida em cobrar as dívidas tributárias e não-tributárias dos devedores, que podem ser tanto pessoas físicas, quanto pessoas jurídicas.

As dívidas de Pessoas Jurídicas (sociedade empresárias) são constatadas a partir de uma investigação dos Fiscais da Receita Federal. Estes lavram um auto que vem a se tornar um Processo Administrativo, no qual a empresa tem possibilidade de manifestar-se, e tentar um acordo. Findo o processo administrativo sem que haja o pagamento da dívida, é emitida uma Certidão de Dívida Ativa (CDA).

Esta certidão goza dos elementos formadores dos títulos executivos, quais sejam “CERTEZA, LIQUIDEZ, EXIGIBILIDADE”, o que permite que a PFN venha executá-los em ação de execução de título executivo extrajudicial, independente de uma ação ordinária de cobrança.

No entanto, para prosseguir tal execução, o título deve ser composto sempre por esses elementos, e caso uma empresa devedora resolva por parcelar seu débito em uma das opções legais estabelecidas como “SIMPLES, PAES, REFIS,” etc, a CDA perderá a exigibilidade, ou seja, a PFN não poderá prosseguir a execução em andamento, tendo que suspendê-la em razão do parcelamento adotado pela empresa.

Essas manobras fragilizam a atuação da Procuradoria, que por vezes fica de “mãos atadas”, sem poder dar seguimento a execução, e cobrar da empresa os impostos que deveriam ter sido pagos e não foram, prejudicando os cofres públicos e a sociedade de modo geral.

Um caso concreto e recente que possa ilustrar o artigo, vem do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O STJ suspendeu os efeitos de um Mandado de Segurança que garantia a uma empresa permanecer usufruindo os benefícios do parcelamento “Simples” (Sistema Simplificado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte). A empresa era devedora de R$ 180 milhões, inicialmente, e após 06 (seis) anos de parcelamento à R$ 200,00 (duzentos reais) mensais só havia pago aproximadamente R$ 14.000,00 (quatroze mil reais), ao passo que a dívida cresceu com os juros e elevou-se a quantia de R$ 270 milhões. Logo se vê, perpetuou-se e tornou-se impagável.

A PFN tem que zelar pelo princípio da indisponibilidade do interesse público, promovendo a execução da dívida, pois os prejuízos que elas trazem aos cofres são mais que evidentes e comprovados nos autos de muitos processos paralisados há meses, e até anos, em escaninhos do judiciário.

Uma situação que dificulta a cobrança do débito ocorre quando a empresa muda seu domicílio fiscal, ou seja, muda-se para outro endereço, ou simplesmente fecha as portas, dificultando ser encontrada para receber a citação do processo, intimações de penhora, etc.

Prevendo tal situação, o STJ editou súmula 435 e diz que a mudança ou o fechamento dessa forma presume dissolução irregular da empresa, e desta vez a dívida poderá ser cobrada do patrimônio dos sócios-gerentes e administradores da empresa.

Os dados dessas pessoas são localizados através de informações passadas pelas Juntas Comerciais ou pelo cartório onde estiver arquivado o Contrato Social, bem como pelo sistema da Receita Federal.

De mão dos dados dos gerentes, a PFN pede a inclusão no pólo passivo da execução redirecionando-a. Porém, por vezes é praticamente impossível localizá-los. Afinal, com tanto dinheiro embolsado, qualquer lugar do mundo é possível aos milionários.

O caso pode ser visto pela página do STJ no endereço: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=104478


Rogger Reis

sábado, 16 de março de 2013

REDIRECIONAMENTO DE DÍVIDA TRIBUTÁRIA


 

 Nunca as figuras dos sócios, diretores, gerentes e representantes de empresas, ou seja, de seus administradores, estiveram tão vulneráveis como nesses últimos tempos, especialmente no que diz respeito ao temível instituto jurídico do redirecionamento, a tais pessoas, de processos de execução fiscal originariamente de titularidade substancial de suas respectivas corporações, a teor de uma interpretação primária da própria literalidade do artigo 135, III do Código Tributário Nacional, em face de atos eventualmente praticados com excesso de poderes ou com infração de lei, de contrato social e de estatutos.

De fato, por conta do precitado artigo e, de uma exacerbada sanha arrecadatória estatal tributária, passaram aquelas figuras a sentir os efeitos das sombrias expectativas das dívidas fiscais, então cobradas em face das empresas sob suas gerências, serem redirecionadas, agora, às suas próprias pessoas, com a peculiar agravante de que, em já constando os seus nomes das respectivas certidões de dívida ativa das cobranças executivas, passariam a deter a totalidade do intricado ônus probatório quanto ao não cometimento (prova negativa) de qualquer ato pessoal ilícito e doloso, nos termos daquele dispositivo legal, tal como recentemente fora decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) - REsp nº 1104900 e EDREsp nº 960456). 

Devem ser aplicados os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Por sua vez, esse árido e espinhoso cenário empresarial, endossado que foi, em parte, pela aludida tendência jurisprudencial encampada pelo Superior Tribunal de Justiça, parece ter sido alvo de relevante avanço e atualíssima reviravolta, sobremodo, em favor dos precitados e aflitos administradores de empresas, cuja situação fora enfrentada e apreciada sob os clamores, agora, principiológicos maiores de nossa presente Constituição Federal, a teor do julgamento recém-proferido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no Ag. Reg. no Recurso Extraordinário nº 608.426, Paraná (relator ministro Joaquim Barbosa, 2º Turma, D.J. 04.10.11). 

Com efeito, o acórdão em questão, sob o contexto aqui discorrido, houve por bem deixar expressamente consignado que "os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se plenamente à constituição do crédito tributário em detrimento de qualquer categoria de sujeito passivo (contribuintes, responsáveis, substitutos, devedores solidários etc.)". 

Vale dizer, segundo proclamado pelo guardião máximo de nosso texto maior, qualquer intenção atinente ao redirecionamento de dívida fiscal às pessoas dos mencionados administradores, com base naquele artigo 135, III do Código Tributário Nacional, haveria de trafegar em meio à defesa ampla e ao contraditório (artigo , LV da Constituição Federal), fazendo-se caminhar pari passu com a prévia existência de um processo administrativo fiscal que também atraísse para si, além da empresa, aquelas figuras, de sorte a restar comprovada, então, uma eventual e inequívoca ocorrência material dos requisitos delineados no artigo 135, III do Código Tributário Nacional.
Somente dessa forma, portanto, assim entendemos, estaríamos diante da possibilidade de um efetivo controle administrativo de legalidade da cobrança, inerente ao ato de inscrição das certidões de dívida ativa, que pudesse bem justificar a presunção de liquidez e certeza que as mesma possuem, ex vi dos artigos , parágrafo 3º, e 3º da Lei nº 6.830, de 1980 (Lei de Execuções Fiscais) e 204 do Código Tributário Nacional

Noutras palavras, a presunção de liquidez e de certeza, inerente à certidão de dívida ativa, também para os administradores das empresas primariamente tributadas, há de pressupor, sempre, a ocorrência de um prévio controle administrativo de legalidade, que deverá alcançar momento anterior, portanto, à própria inscrição e que levará em conta, por consequência, o momento que se estende do nascimento do crédito tributário ao de sua constituição final propriamente dita. 

Ao administrador, então, o que lhe é de direito, ou seja, um patrimônio jurídico calcado na efetividade dos princípios constitucionais, em uma nobre e justa homenagem, por fim, à própria segurança jurídica. 

Walter Alexandre Bussamara é especialista em direito processual tributário e mestre em direito tributário pela PUC-SP, doutorando em direito tributário pela PUC-SP e advogado em São Paulo

quarta-feira, 6 de março de 2013


Dissolução irregular de sociedade e redirecionamento da execução fiscal

 

 
Tornou-se comum o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios, quando é certificado pelo Oficial de Justiça que a sociedade executada não foi localizada no endereço mencionado na inicial (Ag. no Resp. nº 11 27936/PR, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 5-10-2009).
O mesmo acontece em relação à sociedade em estado de insolvência, sem que houvesse o pedido de quebra (AGRG no AGRG no AG nº 690633/RS, Rel. Min. Luiz Fux DJ de 29-5-2006, p. 165).
Por construção pretoriana, o STJ tem entendido que nesses casos há dissolução irregular da sociedade para o efeito de enquadramento na hipótese no art. 135, III, do CTN in verbis:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contra social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”
A tese, por si só, não destoa do bom direito. Pelo contrário, uma leitura atenta do dispositivo retrotranscrito conduz à existência de ato ilegal dos sócios gerentes, pois a ilegalidade não deriva apenas de atos comissivos. Ela pode resultar da omissão do sócio gerente a quem competia comunicar a alteração do endereço ou requerer a falência da sociedade ante o estado de insolvência.
O grande problema da jurisprudência e dos doutrinadores que se simpatizam com essa tese é a absoluta ausência do exame acurado dos requisitos exigidos pelo caput do art. 135, do CTN para a responsabilização dos sócios gerentes ou dos administradores, que podem ser pessoas de fora da sociedade. É comum a contratação do administrador de sociedade.
Os casos de responsabilidade elencados no art. 135 são os de responsabilização por substituição, porque caracterizada fica a responsabilidade pessoal por atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto.
São os casos, por exemplo, de sócio gerente de uma empresa industrial que resolve promover operações de compra e venda de gado. O imposto resultante dessas operações atípicas é de responsabilidade daquele sócio gerente que excedeu aos poderes de administração da sociedade, violando os objetivos contratuais.
Logo, essa responsabilidade há de estar articulada com a ação ilegal do sócio gerente e a obrigação tributária dela decorrente. Essa responsabilidade não pode surgir do nada. Não há no nosso sistema jurídico a chamada responsabilidade objetiva, salvo em relação ao poder público e às concessionárias de serviço público (art. 37, § 6º da CF).
Por isso a responsabilidade solidária prevista no inciso II, do art. 124, do CTN há de ser motivada.
Do contrário, será inconstitucional a exemplo do art. 13, da Lei nº 8.620/93, cuja inconstitucionalidade foi pronunciada pelo STF, porque a responsabilidade pelo pagamento do tributo não pode ser de qualquer pessoa, mas daquela que tenha relação com o fato gerador (RE nº 562276/PR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 12-11-2010).
Resulta do exposto que o sócio gerente ou administrador que age contra a lei ou contrato social, ou excede os limites da administração da sociedade é o responsável pessoal pelo pagamento do tributo que decorre dessa atividade ilegal ou excessiva. A ilegalidade cometida pelo sócio gerente não o torna responsável pessoal pelos tributos preexistentes à sua ação ilegal originários de operações regulares.
Logo, não cabe falar em redirecionamento da execução fiscal que objetiva a cobrança de créditos regularmente constituídos, decorrentes de operações normais, pelo simples fato de que no curso da execução deparou-se com uma situação fática equiparável à prática de ato ilegal: o não requerimento de falência ou a não comunicação do encerramento de sua atividade no local.
Somente o crédito tributário que surgiu do não requerimento de autofalência ou de não comunicação do encerramento de atividade no local é que pode ser cobrado do sócio gerente omisso. Não pode haver obrigação tributária sem ocorrência do fato gerador. Nem pode haver aplicação retroativa da lei tributária, salvo em caso de norma expressamente interpretativa, ou na hipótese de retroação benéfica (art. 106, do CTN e art. 5º, XL, da CF).
Para a caracterização da responsabilidade pessoal do sócio gerente é preciso atentar para o aspecto temporal do fato gerador de obrigação tributária. Aliás, a obrigação tributária somente vem à luz quando presentes os cinco elementos do fato gerador: o elemento material ou objetivo (descrição legislativa da hipótese em que é devido o tributo); o elemento subjetivo (sujeitos ativo e passivo); elemento quantitativo (base de cálculo e alíquota); elemento espacial (onde ocorre o fato gerdor); e o elemento temporal (quando ocorre o fato gerador). Esse último elemento é que irá definir a legislação tributária aplicável segundo o princípio tempus regit actum.
A jurisprudência sobre o tema enfocado faz tábula raza sobre o aspecto temporal do fato gerador da obrigação tributária, determinando o redirecionamento da execução contra o sócio sob o argumento de dissolução irregular da sociedade, para alcançar todo e qualquer tributo, com ou sem vinculação com a ação ou omissão do sócio.
É claro que esse posicionamento jurisprudencial implica inovação legislativa, criando, por via de interpretação do art. 135 do CTN, uma hipótese de responsabilidade objetiva superveniente.
Em outras palavras, art. 135, III do CTN vem sendo aplicado sem a culpa subjetiva e de forma retroativa, para abranger tributos do passado, que nada têm a ver com a conduta dos sócios.  A infração de lei praticada pelo sócio após o surgimento da obrigação tributária pela ocorrência do fato gerador não faz dele devedor do tributo. Do contrário, todo tributo reconhecido e regulamermente escriturado, mas não recolhido tempestivamente, infringindo da legislação que dispõe sobre o prazo de recolhimento seria de responsabilidade do sócio. E a Súmula 530 do STJ repele essa interpretação, porque o inadimplemento da obrigação tributária não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.
É preciso rever esse posicionamento que, data vênia, é equivocado.


 Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.